quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O importante é ter paixão

Há algum tempo venho buscando alternativas para me satisfazer como futura jornalista.

Nós (estudantes da área) ouvimos a todo momento que vamos representar o 4º poder social, seremos respeitados por selecionarmos as informações que são do interesse público, etc e tal. Mas... De que vale tudo isso se escrever não for uma aventura emocionante?

No fundo, o que desejamos é escrever com paixão. Sabemos que temos o dever de informar com responsabilidade, mas seres vaidosos que somos, não nos contentamos com uma notícia bem escrita. O que vai nos encher os olhos de brilho são as notícias responsáveis, bem escritas, mas que sobretudo possam emocionar, representar e envolver.

Pensando nisso e na inquietação inicial resolvi pesquisar uma figura que representa a população local e que ao mesmo tempo possui uma história cativante por si só, para que minha aventura seja responsável.

Não muito tarde, aliás, logo nas primeiras pesquisas e trabalhos acadêmicos me deparei com Dom José Rodrigues, o líder político e espiritual mais famoso da história de Juazeiro (BA). Não há na cidade quem não o conheça, seja por ter dado nome a um grande bairro, seja por algum episódio na memória coletiva. E por sentir a necessidade de sistematizar essa memória que resolvi construir um trabalho de resgate, uma biografia que relate cada episódio e a importância deles na história do município.

Por enquanto é uma idéia, um projeto, uma aventura. Esses combustíveis que motivam o jornalista, mas sinto a necessidade de compartilhar aqui, afinal, para nós, mais importante que o produto final é o processo de construção dele. Então apresento-lhes um trabalho corriqueiro que fiz e que citou pela primeira vez essa figura que me desperta tanto interesse.

INTRODUÇÃO

Somos seres constituídos de subjetividades, carregamos ideologias que se configuram a partir das relações que estabelecemos, e olhamos o mundo do ponto onde estamos localizados. Firmamo-nos social e culturalmente pelos intercâmbios que desenvolvemos com o outro, onde para Marx, o fator preponderante na construção das relações sociais, é a maneira em que pensamos e realizamos nossa forma de produção econômica, pois a humanidade se movimenta em torno do conflito. Sendo assim, nessa sociedade capitalista, estamos localizados em meio a contradições, logo o antagonismo é o mecanismo que dá sustentabilidade e retroalimenta a ordem vigente, nos dividindo em classe com interesses e posições sociais distintas.

Por isso, a impressa não esta isenta da parcialidade, haja vista, que o jornalismo é mais uma produção humana, portanto, marcada pela subjetividade destes, donde serão defendidos os interesses daqueles que a operam.

Neste trabalho iremos fazer uma analise de algumas publicações feitas pelo Jornal de Juazeiro, na década de 80, sobre os assassinatos ocorridos no salitre, cidade de Juazeiro-BA, pela disputa de água. Pretendemos evidenciar como esse meio midiático observou os fatos, qual a ênfase dada ao ocorrido.

Para tanto, foram analisados as edições: 486, 487, 514, 515.


UM BREVE RELATO SOBRE O FATO

As disputas por terra e água são problemas historicamente estabelecidos no Brasil, a forma como se deu a ocupação de terra em nosso país logo no período colonial, própria da fase de transição econômica do mercantilismo, se produz/reproduz e se apresenta constantemente com uma nova roupagem, pois a tendência desse modelo econômico é o afunilamento das contradições sociais. Sendo assim, evidenciamos apropriação dos recursos materiais disponíveis em nosso território por uma minoria de cidadãos, estes são os detentores do grande capital.

Com o desenvolvimento da fruticultura irrigada na região do Vale do São Francisco, a busca por terras tornou-se cada vez mais intensa. Na região do Salitre, não foi diferente, pois o local constituía o único manancial perene do município de Juazeiro, que anteriormente só habitado por agricultores, passou a despertar o interesse de empresários, principalmente após a instalação da eletrificação rural.

No ano de 1984, a seca assolava a região do Vale do Salitre e os pequenos agricultores enfrentavam grande dificuldade para trabalhar. Por outro lado, os empresários que cada vez mais migravam para a localidade, dispunham de recursos técnicos que permitiam a irrigação de projetos privados, como motobombas que desviavam água do riacho para suas propriedades.

Não tardou para que um conflito acontecesse, visto que estas grandes lavouras estavam situadas na margem superior do rio e com o constante bombeamento comprometiam o abastecimento natural da margem inferior do rio. Neste sentido, a população local e os pequenos produtores começaram a discutir e buscar meios de resolver a situação que envolvia a região.

A cada dia o problema se agravava, visto que a comunidade enfrentava a falta de abastecimento para as plantações, animais e para o consumo humano. No dia 6 de fevereiro de 1984, os moradores da região, resolveram desligar a energia elétrica, para impossibilitar o uso contínuo das motobombas e se mostraram dispostos a não as religarem, enquanto o problema não fosse solucionado. No dia seguinte (sete de fevereiro), dois produtores da margem superior e donos das bombas, apareceram na região preparados para religarem a energia, tratava-se de Otacílio Nunes de Souza Padilha Neto e Joaquim Armando Agra. Armados com revólveres intimidaram verbalmente os agricultores da margem inferior do rio, e quando empurrados, dispararam tiros contra a população. As balas de um dos grandes produtores acabaram, e a multidão os matou com tiros e o uso de uma faca que cortou a garganta de um deles. Este ocorrido ficou conhecido como a “chacina do Salitre” e teve grande repercussão na mídia local.


ANÁLISE MIDIÁTICA ACERCA DO FATO

Para compreender a abordagem dada pela mídia local, o jornal de Juazeiro foi escolhido para análise de algumas matérias veiculadas sobre o assunto.

A edição 486 do jornal, no dia 09 de fevereiro de 1984, apresentou o fato jornalístico com o seguinte título “Vale do Salitre é palco de Violência” (capa). No primeiro momento da reportagem o jornal descreve as vítimas e o crime e em seguida fala sobre o motivo. O jornal baseia sua notícia em depoimentos dos moradores e dos policiais e preocupa-se mais no fato violento do que no motivo que levou ao crime.

Em uma segunda matéria lançada pelo mesmo jornal, mostra informações sobre a investigação do fato, porém o enfoque da reportagem está na parte violenta, interessa-se somente nas mortes. Nessa segunda matéria o jornal traz também a posição do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Juazeiro e a posição da Igreja em relação a D. José, acusado de liderar a chacina pelo jornal Correio da Bahia. Há também o relato do clima no local onde aconteceu a conhecida Chacina do Salitre.

Na edição 487 do Jornal de Juazeiro, do dia 15 a 18 de fevereiro de 1984, foi publicada a matéria "STR de Juazeiro e o rio salitre", que enfatizava a distribuição de um documento feito pelo sindicato para abordar o confronto acontecido em Campo dos Cavalos. É nítida a falta de contextualização do jornal, visto que a discussão acerca do problema é feita de forma superficial, sem pautar a questão da água, fonte de todo o conflito.

Além disso, apesar da matéria colocar como subtítulo a campanha pela reforma agrária, não faz um debate ampliado sobre a pauta de reivindicações preparadas para este processo, bem como a contextualização do cenário político, que foi citado aparentemente no fim da matéria.

Após três meses, os assassinatos do Salitre ainda estavam em evidência. Muito disso se deve ao fato do crime ainda não ter sido resolvido judicialmente. Em uma das várias matérias jornalísticas que foram produzidas pela mídia da época intitulada “Justiça denuncia bispo de Juazeiro”, percebeu-se que o foco dado àquela notícia estava voltado rigorosamente ao processo judicial e que as questões sociais que envolviam o crime foram deixadas de lado.

O bispo de Juazeiro na época, D. José Rodrigues, estava entre os suspeitos de envolvimento com o crime, mas até a data de veiculação da matéria a investigação policial ainda não tinha sido concluída. Segundo o Jornal, alguns especialistas foram trazidos com o intuito de resolverem o caso com maior rigor, talvez pelo fato de não terem vínculo com os acusados e vítimas. Entretanto, “especialistas” em discussões sociais não vieram e o jornal também não tocou no assunto.

A matéria publicada no Jornal de Juazeiro do dia 5 a 9 de maio de 1984 não abria espaço para reflexão necessária do fato. Uma vez que o que estava por trás do ocorrido era mais importante que o próprio, e que o assassinato teria sido apenas uma conseqüência trágica de uma discussão que ocorrera entre os envolvidos. Por isso, deveria haver, por parte principalmente da editoria do jornal, uma maior responsabilidade em relação ao tema. O jornal deveria incitar a reflexão, dos seus leitores, sobre o que teria motivado o crime mesmo sendo a matéria voltada para a questão judicial e após três meses do fato ter ocorrido.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as matérias analisadas, pode-se observar que o jornal possuía uma abordagem superficial do fato, visto que não discutiu de forma aprofundada as causas e conseqüências deste.

Como pode ser visto na matéria “Caso Salitre: Não há denúncia contra o bispo”, da edição 515, do dia 10 a 12 de maio de 1984, o jornal deu um caráter investigativo ao fato, pois se limitou a identificar o andamento do processo judicial.

Neste sentido identificamos que o Jornal de Juazeiro não fez uma construção que narrasse a história da região do salitre, a apropriação dos espaços territoriais, a geografia que explicasse a problemática da água, enfim, não desenvolveu a discussão que construísse com o leitor o acontecimento, houve apenas uma descrição do mesmo.

Comparando a abordagem do jornal analisado com o texto “Narrativas de um acontecimento: a morte do estudante Edson Luís no calabouço em 1968”, é possível perceber a diferença na abordagem, pois enquanto o jornal de juazeiro se preocupou em contar as mortes e seus desfechos judiciais, o texto tratou a morte como o último tópico da narrativa, sendo apenas a conseqüência da efervescência política do meio em que a vítima vivia.



Obs.: Agora é esperar o trabalho final com todos os episódios marcantes pelos quais Dom José Rodrigues passou.

2 comentários:

  1. Eu já estava animado antes de ler o post, mas agora tenho de me controlar para não virar obsessão.

    Prende a atenção do início ao fim ( e é apenas um projeto, ainda) Um projeto que já começa a se desenhar, que ganha as primeiras formas graças ao apego, à seriedade e à paixão que você demonstra.

    Vai ser lindo, pois começou lindo. Com os passos certos, você vai desenvolver um trabalho brilhante, digno de ser seu.

    Muito há que ser dito sobre essa figura importante da história. E muitas honras hão de ser concedidas à mentora desse projeto.

    Estou muito animado.
    Beijos.

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  2. Vai ser (já é) uma grande jornalista!

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Vai passar a vez? Essa é a sua jogada.