sábado, 24 de março de 2012

Acolhimento em Juazeiro: Lar Infantil Raio de Luz

Por Amanda Lima


Portão trancado, mistério e realidade escondida pelo muro alto e discreto. Seria mesmo ali o abrigo pelo qual procurava? Sim, a placa colorida e vistosa anunciava que aquele era o lugar certo. Além disso, o silêncio foi logo interrompido, não pelo interfone que insistia contato, mas pela euforia de algumas risadas e espiadas pelo canto, demonstrando traquinagem e graça, típicas de qualquer criança. Mas ali, no Lar Infantil Pequenos Raios de Luz notava-se que não se tratavam de quaisquer meninos e meninas. Isto, o impedimento de um possível contato com elas já havia denunciado.
“Não permitimos que as crianças mantenham contato com pessoas que não sejam do seu convívio habitual sem ordem judicial. Acolhemos elas com carinho e temos medo que se frustrem com possíveis expectativas de adoção”, justificava a coordenadora geral do abrigo, Maria Tereza Silva de Souza, para que a entrevista corresse sem maiores problemas e comportamentos invasivos.
Entretanto, este não foi o ponto inicial da conversa, nem o mais importante. Os pequenos olhares de canto e a curiosidade dos pequenos raios de luz escondiam histórias amargas e pesadas demais para seres tão pequeninos, e estas são as questões que mais chamam atenção naquele lugar.
Há cerca de seis meses, mais uma trajetória começava a se traçar. O lar que abriga crianças que sofreram algum tipo de problema familiar recebia mais um pequeno Raio de Luz. Com cerca de 23 dias de nascido, a Vara da Infância determinou que mais um menino estaria em um uma casa provisória que conta, sobretudo, com a assistência social. Como nasceu prematuro, o bebê precisou de cuidados especiais e atenção redobrada, inclusive com a alimentação. “Precisamos comprar leite especial, fazer exames e isto exigiu um esforço grande da nossa equipe”, disse Maria Tereza.
O Lar Infantil Pequenos Raios de Luz que está prestes a completar quatro anos de existência abriga atualmente oito crianças de zero a quatro anos. Até hoje, já passaram pela instituição cerca de 16 meninos e meninas nesta faixa etária. Nenhum deles foi para a adoção, todos saíram do lar para a antiga família, aquela de origem. Isso porque, a nova lei de adoção do Brasil defende que a criança só deve ir para uma família substituta (adotiva) depois de todas as tentativas de reintegração à família. Caso não seja possível, ela é encaminhada à família extensa, considerada pela Vara da Infância como os familiares indiretos da criança como avós, tios, irmãos, entre outros. Só quando não existe mais nenhuma possibilidade de inserção na família, criança é encaminhada a um lar.

No caso dos Raios de Luz, quatro das crianças voltaram para os pais, sendo todos irmãos, enquanto outras duas ficaram sobre a guarda dos avós. Uma realidade curiosa, visto que, segundo Maria Tereza, os desvios comportamentais são os principais motivos que levam as crianças para lá com ordem judicial para esperar adoção. Porém, o que se nota é que a Justiça considera o lar de origem o melhor lugar para a formação destes pequenos, já que a nova lei também prevê que os irmãos não podem se separar, para garantir direito à convivência familiar.

Além disso, a Vara da Infância precisa reavaliar cada situação das crianças no abrigo a cada seis meses. Sendo assim, reintegrar as crianças às famílias garante também menor trabalho para o poder judiciário. Mas este assunto é tabu no lar. “Nós estamos aqui para acolher, dar carinho e cuidar, o resto fica a critério da justiça”, afirma a coordenadora geral do Lar Raios de Luz.
Maria Tereza, além de coordenar a casa, é presidente do Complexo de Luz para Libertação, que soma 24 projetos sociais na cidade de Juazeiro, desde distribuição de sopas para moradores de rua até o abrigo de alunos do ensino superior em um albergue da instituição. A coordenadora descreve que o funcionamento destes programas conta unicamente com o apoio financeiro de doações de toda sociedade local. “O mercado do produtor é um grande parceiro e fornece alimentos. Contamos também com depósitos na conta, doações que chegam ao próprio lar, além de roupas entregues no bazar que temos para venda de roupas usadas e arrecadação financeira”, afirma Maria Tereza.
O Lar Infantil Pequenos Raios de Luz não mantém contato com as famílias das crianças. Quando elas são mandadas para a casa pela Vara da Infância, tem um cadastro para disponibilidade de adoção. Caso completem cinco ou seis anos, o que nunca ocorreu, e não tiverem um destino certo, a instituição promete construir uma outra casa, sendo um espaço que já desconstrua a ideia de adoção e mantenha uma perspectiva de vida em conjunto com outras crianças que vivem nesta mesma situação.
Enquanto isso não ocorre e as reconciliações são feitas com as famílias de origem, os pequenos Raios de Luz continuam contando com cerca de 20 voluntários e oito funcionários que se revezam para garantir a educação, saúde, bem estar e desenvolvimento das crianças que possuem um lar, mas querem fazer luz em um novo lugar.

O fim da Epidemia está próximo. E do preconceito?

Por Amanda Lima



Cartaz informativo na sala de recepção do Centro de Referência em DST/Aids de Juazeiro

Eram oito horas da manhã de uma segunda-feira, assim marcavam os relógios. Cada um olhava incansavelmente no pulso numa demonstração de tensão. Certamente, o típico assessório de parede presente nas salas de recepção de qualquer consultório ganhava importância diferenciada, pois era a desculpa perfeita para distrair a ansiedade. Enquanto uma funcionária de serviços gerais fazia a limpeza da sala, pessoas de todas as idades, sexos e crenças começavam a movimentar o ambiente. Ao passo que cada uma delas chegava, a agitação parecia ganhar mais força. Entrar e sair da sala de recepção do Centro de Referência em DST/AIDS em Juazeiro, assim como o olhar atento ao relógio, era a fuga perfeita para do silêncio e os olhares constrangidos das pessoas presentes no local.

Eis que algumas pessoas saem da sala de recepção, desta vez juntas, sem desculpa, para assistir a uma palestra que os profissionais chamam de aconselhamento coletivo. Na volta, assinaturas de presença e mais olhares tímidos, até que todos são convocados a enfeitar o ambiente com balões e tecidos para receber uma surpresa. A partir daí, o silêncio constrangedor deu lugar a olhares de alívio e satisfação. Começava, então, uma peça de teatro educativa de prevenção ao vírus HIV, organizada pelo Núcleo de Educação e Comunicação em Saúde (Necom), que desenvolve trabalhos de educação popular com diversas comunidades. A música, a dança e as piadas lembravam que o dia de Prevenção e Combate à Aids, comemorado todo Primeiro de Dezembro, não podia passar em branco.

Durante a apresentação, entre os tímidos sorrisos, um se destacava. Era um sorriso seguro, sem receio, que demonstrava uma alegria daquelas que cativam. Tratava-se de R.L.M., uma aposentada, de 47 anos, que não chamava atenção apenas pelo sorriso, mas pela coragem, segurança e serenidade com que fala da sua relação com a Aids. Tudo começou quando ela passou a perder peso e a sentir a presença de dois caroços em seu corpo. Depois de se consultar com três médicos, que tentavam esclarecer o aparecimento dos incômodos, veio a constatação: a paciente é soropositiva em estágio avançado. O vírus HIV já se manifestou, e ela é soropositiva. Como R.L.M. não sabia que estava infectada pela doença e não se tratou, algumas doenças, chamadas oportunistas, se aproveitaram da baixa imunidade e se disseminam no seu corpo.

Segundo a paciente, os dias após a descoberta foram carregados de tristeza, depressão e incertezas. O choro cotidiano revelava o medo, pois a descoberta foi feita há dez anos, quando ainda havia um estigma de que a doença significava a proximidade da morte. Porém, para os médicos, R.L.M. tem a doença há cerca de 18 anos, visto que a Aids pode demorar até dez anos para demonstrar sinais.A paciente, que preferiu não revelar a forma de contágio, considera que hoje tem uma vida normal e só não trabalha porque o diagnóstico tardio da doença lhe ocasionou algumas dificuldades de locomoção e coordenação motora. Ela afirma que nunca deixou de se cuidar e segue com rigor o tratamento, com a ingestão de comprimidos a cada 13 horas.

O médico infectologista da equipe multidisciplinar do Centro de Referência DST/AIDS, Juvenilson Andrade considera que os casos de diagnóstico tardio, são os que ainda geram morte por Aids. Em Juazeiro, foram registrados 49 novos casos da doença, no ano passado. Já em 2012, oito mortes já aconteceram como consequência dela. Isto ainda acontece pela falta do uso dos remédios adequados,o que deixa o paciente vulnerável ao ataque de doenças oportunistas e em alguns casos, o quadro é irreversível. O infectologista acredita ainda que esta é a maior causa de avanço no contágio.“O preocupante é que tem sido feito muito diagnóstico em paciente já em estado grave. Existe muito paciente portador do vírus sem diagnóstico. Esse é o grande problema de hoje, pois o principal modo de evitar a disseminação da doença é descobrir pacientes portadores e os conscientizar a ter um modo de vida que evite transmitir a doença pra outras pessoas”, conta.



Juvenilson Andrade, médico infectologista do Centro de Referência
Apresentação teatral do Necom para os pacientes do Centro de Referência

Atualmente, o diagnóstico pode ser feito através do teste rápido que revela o resultado do exame de HIV em quinze minutos. Ele representa uma revolução para evitar o diagnóstico tardio. Os avanços também aconteceram no tratamento e na prevenção. Enquanto nos anos 1980, década de descoberta da doença, o paciente tomava cerca de oito comprimidos do medicamento AZT, hoje o número reduziu para cerca de três comprimidos diários e, por isso, os médicos já dispensam o uso do termo coquetel. Quanto à prevenção, a melhor forma ainda é o uso da camisinha, visto que a maior forma de contágio é através da relação sexual sem preservativo.

Assim, os principais problemas da Aids não podem ser relacionados ao tratamento, prevenção e diagnóstico, já que estão mais acessíveis e tecnologicamente mais bem constituídos. Com esta perspectiva, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, no fim do mês de novembro, um relatório que traça a expectativa de cinco anos até o fim da epidemia da doença em todo mundo. Entretanto, em Juazeiro os números não acompanham esta estimativa. Enquanto em 2010, o número de novos casos foi de 47, entre janeiro e novembro de 2011, foram registrados 49 novos casos.

Para a Enfermeira do Centro de Referência, Magna Cavalcanti, o problema da doença na cidade está no controle do tratamento. “O pior problema que eu vejo na Aids aqui é a adesão ao tratamento”, explica. Para ela, os fatores que interferem diretamente nesta resistência estão ligados à condição socioeconômica, escolaridade e medo do preconceito, muitas vezes construídos pelos próprios portadores da doença.

Após 30 anos da descoberta da Aids em todo o mundo, a doença já é considerada crônica, por possuir tratamento contínuo, como hipertensão e diabetes. Mesmo assim, R.L.M. também considera que o maior inimigo de quem convive com a doença é o preconceito. Para exemplificar, a aposentada conta, com pesar, uma situação vivenciada por ela. Certa vez quando passava na rua, foi surpreendida pelo comentário feito por um rapaz que a apontava para um colega e dizia: “Tá vendo esta mulher? Ela tem Aids”. Ofendida, ela resolveu responder. “O que ele o vírus me tirou, eu estou lutando para conseguir voltar ao normal, e é isso aqui (mostrando o braço e a perna, que possuem movimentos limitados). No meu ouvido a doença não mexeu. Então, por que você não vai fazer o exame ao invés de criticar quem passa por isso?”, questionou.
R.L.M. alega ainda que não esconde de ninguém, pois acredita que o reconhecimento da doença é o melhor caminho para que a sociedade encare o problema com mais clareza. “Eu queria que os portadores da doença aparecessem mais, porque eles têm muito medo do preconceito que às vezes vem deles mesmos. Eu meti as caras e conto pra todo mundo porque gostaria de ajudar outras pessoas”, enfatiza.


segunda-feira, 19 de março de 2012

Quando lembro dos olhos do meu bem


Hoje! 6 meses, metade de um ano, aliás, do ano de 2012, aquele jurado para o fim, em que tudo devia morrer, mas tem renascido, pelo menos dentro de mim. Poderia aqui descrever tudo que me fez gostar de você, que despertou meu encanto, meu pranto de saudade e minha felicidade, mas como já dizia Cássia Éller, palavras apenas.

Ceeu, Teixeira de Freitas, Eunápolis, plenária, timidez inicial, palavras contidas, sorrisos envergonhados, interesses pessoalmente escondidos, na internet, posteriormente revelados. Troca de carinho verbal, bons dias, boas noites, boa vida, querer bem, distância, encontro, paixão, vinho, virote, discussões políticas, descobertas, encanto, desejo, despedida. Salvador, reencontro, escada, rodoviária, correria, beijos apaixonados e quase intermináveis, carinho corporal, carnal, fotografias, registros, declarações, abraços sufocados, compartilhamento de emoções e mais uma partida.

Lonjura, distância, contagem regressiva, reencontro, momentos felizes e surpreendentemente cada vez mais agradáveis. Teixeira de Freitas, férias curtas, virada, fogos, praia, descanso, cachoeira, pizza, ostra, conversas, preguiça compartilhada, cervejinha, virote, ressaca como desculpa para prolongar a estadia, confusão, medo, despedida, tristeza. Viagem, pensamentos, dono da minha cabeça, choro, separação, angústia, perda, e-mail, carta... Reconciliação, acabou chorare, ficou tudo lindo, alegria, complemento, planejamento, endividamento de lembranças. Juazeiro, meu mundo completo. Meus amigos, minha vida, minha casa, minha família. Nego d’água, Angari, Petrolina, reportagem, bodódromo, rodeadouro, bode, não vá embora, meu urso, fique mais, eu vou te apertar, te abraçar, te amar, mensagens, infinitas ligações, planos, sonhos, e dois delirantes ficando cada vez mais reais, né, Baltazar Felipe?

Hoje! 6 meses que passaram voando, e eu continuo tentando mostrar e dizer que este e todo tempo é pouco para nós. Tantas palavras, tantas canções parecidas e tão desiguais, jamais conseguirão descrever o que passa aqui dentro. Com a limitação das palavras, quero apenas tentar explicitar que espero ainda compartilhar muitos momentos, entre sorrisos, cheiros e olhares com você, Bal e andar assim, de mãos dadas contigo por muito tempo. Nenhuma distância é capaz de me desanimar, não quando lembro dos olhos do meu bem... Muito obrigada por tanto encanto! =)

quinta-feira, 15 de março de 2012

“É para ser pra vida toda”

Era carnaval. As luzes, cores e alegria chamavam atenção dos jovens da cidade de Juazeiro na Bahia, para o carnaval. Era 18 de Fevereiro de 1980. Lá, uma jovem cheia de sonhos resistia a insistência de um rapaz que a paquerava. “Tinha apenas quinze anos, ainda não era tempo de namorar”. É assim que a comunicativa e irreverente Maria Quitéria Lima relembra sua história, não exatamente seus 47 anos de idade, mas os últimos 27 que ela divide com seu companheiro, Antônio Neto.

Naquela época, um relacionamento não era a prioridade de uma jovem que sonhava ser independente, por acompanhar de perto o sofrimento de uma irmã com um casamento mal sucedido. O carnaval, a festa, as danças, a alegria eram o que a levavam até lá. Entretanto, sua estadia na cidade ia além, pois natural de Pilão Arcado, o motivo que a fazia estar no município não era a festa, mas os estudos. Determinada, já morava longe dos pais, na tentativa de se formar, trabalhar e construir o sonho de uma vida melhor.

Quatro anos depois, com o Ensino Médio concluído e sede de viver, aprender e se desenvolver profissionalmente, Quitéria vai mais uma vez ao carnaval, como costumava todos os anos. Era mais um mês de fevereiro, que mesmo sendo o mais curto do ano, foi suficiente para mudar suas perspectivas e transformar sua vida para sempre. Como fazia sempre, a jovem brincava, se divertia e via novamente o rapaz do início da década de 80 tentando se aproximar. Era Antônio, sete anos mais velho, negro e de certa forma misterioso, pois aparecia apenas naquele período tentando da mesma forma um contato com ela. Neste ano, porém, algo mudou e os dois começaram a namorar.

A ausência dele nas outras épocas do ano se dava porque o jovem, natural de Juazeiro não morava na sua terra natal há onze anos. Ainda adolescente determinado como Quitéria, resolveu morar longe de casa, com o objetivo de estudar, trabalhar e ter sucesso na vida. Aliás, esta foi a característica que mais chamou atenção da moça e a fez se interessar por ele também. “Eu gostava dele, achava ele um homem inteligente, diferente dos rapazes que eu conhecia”, conta.

Mas aquele namoro à distância e falta de contato constante a deixavam insegura. “Logo quando começamos a namorar ele falou em casamento, mas eu tinha medo, porque nos conhecíamos pouco e só namoramos um mês”. Entretanto, ele não permitiu que a distância fosse um empecilho para os dois e mesmo com o custo alto da época, era através do telefone que eles faziam planos semanalmente. “Era difícil. Ele precisava ir até um postinho da TELEMS (Empresa de Telefonia de Mato Grosso do Sul) para entrar em contato”. Um deles que acabou se concretizando foi o noivado em Setembro do mesmo ano, 1984. Nessa ocasião, o rapaz foi a Pilão Arcado, onde os pais dela moravam, para pedir autorização para casar, ou pedir a mão da moça, como era comum dizer na época. Como os pais já sabiam do namoro e conheciam a família do rapaz, autorizaram a união. O próximo passo era o casamento, marcado para Fevereiro de 1985, dias após o carnaval, cerimônia que definitivamente se parece mais com o casal.

Até lá, o meio de comunicação que mais trazia encanto e boas novidades eram as cartas, que se assemelhavam aos cartões de Feliz Ano novo que Antônio mandava para Quitéria cada vez que passava férias em Juazeiro. “Ele mandava cartas dizendo que estava com saudades, que havia comprado algum móvel novo para a casa”. Nessas horas, a jovem ficava insegura e com medo de ir morar numa cidade diferente, num estado que não conhecia.

Mas Fevereiro de 85 havia chegado e a casa já estava pronta, os planos feitos e o coração feliz. Era o suficiente para que em 22 de Fevereiro o casal se unisse em uma cerimônia no Fórum de Juazeiro, diante apenas da família que logo em seguida fez um almoço comemorativo. A noite a alegria foi compartilhada com os amigos num jantar. Era também uma espécie de despedida de Juazeiro, a cidade que havia recebido a vida que ela estava construindo até ali, sozinha. Agora era hora de voltar à terra natal para ver os pais e partir definitivamente para uma nova vida que começava, uma vida a dois.


O casal logo após o noivado em Setembro de 1984

Casamento no Civil em 1985 na cidade de Juazeiro

Em Campo Grande as coisas não eram fáceis. Antônio trabalhava o dia todo e Quitéria ficava sozinha. A jovem que antes sonhava independência não conseguia sequer procurar emprego por conta das dificuldades de adaptação. “Achei horrível, queria voltar imediatamente para a minha casa. Chorava muito, porque não conhecia ninguém, e na cidade as pessoas eram muito fechadas. Eu olhava para um lado, só via gente desconhecida, olhava pro outro, só via gente desconhecida. Abria a boca, todos riam do meu sotaque, achava horrível e por isso não procurava emprego”.
Logo depois, Quitéria engravidou, e ficar em casa tornou-se uma decisão, pois queria ter dois filhos, e achava que era o momento de acompanhar a formação deles e depois trabalhar. Em 1986 voltaram para passar férias em Juazeiro, desta vez, em Março, para que fosse possível ter o bebê, ou melhor, a filhinha próxima à família onde teriam apoio e assistência.
Depois de um ano e nove meses, novamente a segunda e já anunciada ultima gravidez. Esperavam um menininho, mas no exame a surpresa, mais uma menina estava a caminho e a boa recepção da notícia pelo marido, fez Quitéria considerar aquele, junto com a gestação anterior, o momento mais feliz que já viveram juntos.
Depois disso, a vida seguiu seu curso. Quitéria colocou as filhas na escola particular, que pagava com esforço com o marido e começou a trabalhar. Logo na primeira tentativa foi contratada e rapidamente ganhou destaque. Como vendedora de uma loja de departamentos possuía o melhor desempenho entre as demais colegas e participava sempre de congressos a nível nacional. Depois de quatro anos, com dificuldades financeiras a loja mudou o sistema de pagamento, tirando as comissões. Boa parte dos funcionários saiu, e com ela não foi diferente. Mas logo em seguida conseguiu um novo trabalho onde em poucos meses saiu do cargo de vendas para gerência. O sonho de uma vida profissional começava. E nunca parou. O vida profissional que começou em 1991 teve várias fases. Mas a dedicação de Quitéria fez com que em quase quinze anos, só trabalhasse em quatro lugares diferentes. Sim, ela trabalhou em Campo Grande até 2005, depois a vida mudou de rumo novamente.
Mas este rumo não é o destaque do ano, que reafirmou os laços entre Quitéria e Neto. Em maio daquele ano, 20 anos após o casamento, eles resolveram casar-se no religioso, aproveitando a aproximação de Antônio à Igreja. As filhas já adolescentes puderam acompanhar a mãe vestida de branco, o pai de terno, como poucas vezes costumava usar, e mais do que as roupas, flores e canções bonitas, o olhar de encanto entre eles, que se fazia presente na troca de alianças, no beijo de Antônio na testa de Quitéria e no reforço das palavras de amor e juras de cumplicidade.

Casamento no Religioso em 2005 na cidade de Campo Grande

Mas nem só de momentos felizes a história da jovem sonhadora foi feita. Mesmo com a vida consolidada, amigos conquistados, sonhos construídos e filhas crescidas, uma já na faculdade, outra terminando o ensino médio, algo incomodava. As férias já não eram o suficiente para matar a saudade da família e não davam conta de ajudar os pais já idosos. Antônio perdera o emprego estável de mais de duas décadas e aquele parecia ser o momento certo de realizar um antigo desejo. Voltar para Juazeiro. E assim a família decidiu.
Para Quitéria, todo o pesadelo vivido na adaptação em Campo Grande agora estava se repetindo. Desta vez em Juazeiro. “Quando fui para Campo Grande construí uma vida, construí amigos, quando voltei tinha minha família, mas faltavam os amigos”. Além disso, a dificuldade financeira também abalou o casamento. “Neto precisou voltar para Campo Grande temporariamente para trabalhar e tentar resolver questões jurídicas de venda de casa para que a gente se estabelecesse aqui, não foi fácil”, conta.
Sete anos depois, entretanto, Quitéria que não goza mais da juventude de 1985, só tem motivos para comemorar. Com ações indenizatórias da empresa onde o marido trabalhava comprou uma loja e dedica-se ao comércio, atividade na qual sempre trabalhou, com a diferença de ao invés de vendedora, ser empresária. Além disso, após ver suas filhas ingressando na Universidade começou seu curso superior de Serviço Social que termina no próximo ano. Ou seja, toda independência que sonhava pode ser construída, sem abrir mão do conceito social de amor.
Eis que na noite de 23 de Fevereiro de 2012, na igreja, uma cena se repetia. A troca de alianças seguida por um beijo apaixonado configurava a terceira vez que aquele casal vivia a emoção do casamento ou lembrança dele, mesmo que jamais houvessem se separado.
E quando questionada sobre o casamento ser duradouro no auge de seus 27 anos, Quitéria diz: “Nos amamos, respeitamos nossas diferenças, construímos tudo que almejamos juntos. Então, é para ser pra toda vida”.