quinta-feira, 15 de março de 2012

“É para ser pra vida toda”

Era carnaval. As luzes, cores e alegria chamavam atenção dos jovens da cidade de Juazeiro na Bahia, para o carnaval. Era 18 de Fevereiro de 1980. Lá, uma jovem cheia de sonhos resistia a insistência de um rapaz que a paquerava. “Tinha apenas quinze anos, ainda não era tempo de namorar”. É assim que a comunicativa e irreverente Maria Quitéria Lima relembra sua história, não exatamente seus 47 anos de idade, mas os últimos 27 que ela divide com seu companheiro, Antônio Neto.

Naquela época, um relacionamento não era a prioridade de uma jovem que sonhava ser independente, por acompanhar de perto o sofrimento de uma irmã com um casamento mal sucedido. O carnaval, a festa, as danças, a alegria eram o que a levavam até lá. Entretanto, sua estadia na cidade ia além, pois natural de Pilão Arcado, o motivo que a fazia estar no município não era a festa, mas os estudos. Determinada, já morava longe dos pais, na tentativa de se formar, trabalhar e construir o sonho de uma vida melhor.

Quatro anos depois, com o Ensino Médio concluído e sede de viver, aprender e se desenvolver profissionalmente, Quitéria vai mais uma vez ao carnaval, como costumava todos os anos. Era mais um mês de fevereiro, que mesmo sendo o mais curto do ano, foi suficiente para mudar suas perspectivas e transformar sua vida para sempre. Como fazia sempre, a jovem brincava, se divertia e via novamente o rapaz do início da década de 80 tentando se aproximar. Era Antônio, sete anos mais velho, negro e de certa forma misterioso, pois aparecia apenas naquele período tentando da mesma forma um contato com ela. Neste ano, porém, algo mudou e os dois começaram a namorar.

A ausência dele nas outras épocas do ano se dava porque o jovem, natural de Juazeiro não morava na sua terra natal há onze anos. Ainda adolescente determinado como Quitéria, resolveu morar longe de casa, com o objetivo de estudar, trabalhar e ter sucesso na vida. Aliás, esta foi a característica que mais chamou atenção da moça e a fez se interessar por ele também. “Eu gostava dele, achava ele um homem inteligente, diferente dos rapazes que eu conhecia”, conta.

Mas aquele namoro à distância e falta de contato constante a deixavam insegura. “Logo quando começamos a namorar ele falou em casamento, mas eu tinha medo, porque nos conhecíamos pouco e só namoramos um mês”. Entretanto, ele não permitiu que a distância fosse um empecilho para os dois e mesmo com o custo alto da época, era através do telefone que eles faziam planos semanalmente. “Era difícil. Ele precisava ir até um postinho da TELEMS (Empresa de Telefonia de Mato Grosso do Sul) para entrar em contato”. Um deles que acabou se concretizando foi o noivado em Setembro do mesmo ano, 1984. Nessa ocasião, o rapaz foi a Pilão Arcado, onde os pais dela moravam, para pedir autorização para casar, ou pedir a mão da moça, como era comum dizer na época. Como os pais já sabiam do namoro e conheciam a família do rapaz, autorizaram a união. O próximo passo era o casamento, marcado para Fevereiro de 1985, dias após o carnaval, cerimônia que definitivamente se parece mais com o casal.

Até lá, o meio de comunicação que mais trazia encanto e boas novidades eram as cartas, que se assemelhavam aos cartões de Feliz Ano novo que Antônio mandava para Quitéria cada vez que passava férias em Juazeiro. “Ele mandava cartas dizendo que estava com saudades, que havia comprado algum móvel novo para a casa”. Nessas horas, a jovem ficava insegura e com medo de ir morar numa cidade diferente, num estado que não conhecia.

Mas Fevereiro de 85 havia chegado e a casa já estava pronta, os planos feitos e o coração feliz. Era o suficiente para que em 22 de Fevereiro o casal se unisse em uma cerimônia no Fórum de Juazeiro, diante apenas da família que logo em seguida fez um almoço comemorativo. A noite a alegria foi compartilhada com os amigos num jantar. Era também uma espécie de despedida de Juazeiro, a cidade que havia recebido a vida que ela estava construindo até ali, sozinha. Agora era hora de voltar à terra natal para ver os pais e partir definitivamente para uma nova vida que começava, uma vida a dois.


O casal logo após o noivado em Setembro de 1984

Casamento no Civil em 1985 na cidade de Juazeiro

Em Campo Grande as coisas não eram fáceis. Antônio trabalhava o dia todo e Quitéria ficava sozinha. A jovem que antes sonhava independência não conseguia sequer procurar emprego por conta das dificuldades de adaptação. “Achei horrível, queria voltar imediatamente para a minha casa. Chorava muito, porque não conhecia ninguém, e na cidade as pessoas eram muito fechadas. Eu olhava para um lado, só via gente desconhecida, olhava pro outro, só via gente desconhecida. Abria a boca, todos riam do meu sotaque, achava horrível e por isso não procurava emprego”.
Logo depois, Quitéria engravidou, e ficar em casa tornou-se uma decisão, pois queria ter dois filhos, e achava que era o momento de acompanhar a formação deles e depois trabalhar. Em 1986 voltaram para passar férias em Juazeiro, desta vez, em Março, para que fosse possível ter o bebê, ou melhor, a filhinha próxima à família onde teriam apoio e assistência.
Depois de um ano e nove meses, novamente a segunda e já anunciada ultima gravidez. Esperavam um menininho, mas no exame a surpresa, mais uma menina estava a caminho e a boa recepção da notícia pelo marido, fez Quitéria considerar aquele, junto com a gestação anterior, o momento mais feliz que já viveram juntos.
Depois disso, a vida seguiu seu curso. Quitéria colocou as filhas na escola particular, que pagava com esforço com o marido e começou a trabalhar. Logo na primeira tentativa foi contratada e rapidamente ganhou destaque. Como vendedora de uma loja de departamentos possuía o melhor desempenho entre as demais colegas e participava sempre de congressos a nível nacional. Depois de quatro anos, com dificuldades financeiras a loja mudou o sistema de pagamento, tirando as comissões. Boa parte dos funcionários saiu, e com ela não foi diferente. Mas logo em seguida conseguiu um novo trabalho onde em poucos meses saiu do cargo de vendas para gerência. O sonho de uma vida profissional começava. E nunca parou. O vida profissional que começou em 1991 teve várias fases. Mas a dedicação de Quitéria fez com que em quase quinze anos, só trabalhasse em quatro lugares diferentes. Sim, ela trabalhou em Campo Grande até 2005, depois a vida mudou de rumo novamente.
Mas este rumo não é o destaque do ano, que reafirmou os laços entre Quitéria e Neto. Em maio daquele ano, 20 anos após o casamento, eles resolveram casar-se no religioso, aproveitando a aproximação de Antônio à Igreja. As filhas já adolescentes puderam acompanhar a mãe vestida de branco, o pai de terno, como poucas vezes costumava usar, e mais do que as roupas, flores e canções bonitas, o olhar de encanto entre eles, que se fazia presente na troca de alianças, no beijo de Antônio na testa de Quitéria e no reforço das palavras de amor e juras de cumplicidade.

Casamento no Religioso em 2005 na cidade de Campo Grande

Mas nem só de momentos felizes a história da jovem sonhadora foi feita. Mesmo com a vida consolidada, amigos conquistados, sonhos construídos e filhas crescidas, uma já na faculdade, outra terminando o ensino médio, algo incomodava. As férias já não eram o suficiente para matar a saudade da família e não davam conta de ajudar os pais já idosos. Antônio perdera o emprego estável de mais de duas décadas e aquele parecia ser o momento certo de realizar um antigo desejo. Voltar para Juazeiro. E assim a família decidiu.
Para Quitéria, todo o pesadelo vivido na adaptação em Campo Grande agora estava se repetindo. Desta vez em Juazeiro. “Quando fui para Campo Grande construí uma vida, construí amigos, quando voltei tinha minha família, mas faltavam os amigos”. Além disso, a dificuldade financeira também abalou o casamento. “Neto precisou voltar para Campo Grande temporariamente para trabalhar e tentar resolver questões jurídicas de venda de casa para que a gente se estabelecesse aqui, não foi fácil”, conta.
Sete anos depois, entretanto, Quitéria que não goza mais da juventude de 1985, só tem motivos para comemorar. Com ações indenizatórias da empresa onde o marido trabalhava comprou uma loja e dedica-se ao comércio, atividade na qual sempre trabalhou, com a diferença de ao invés de vendedora, ser empresária. Além disso, após ver suas filhas ingressando na Universidade começou seu curso superior de Serviço Social que termina no próximo ano. Ou seja, toda independência que sonhava pode ser construída, sem abrir mão do conceito social de amor.
Eis que na noite de 23 de Fevereiro de 2012, na igreja, uma cena se repetia. A troca de alianças seguida por um beijo apaixonado configurava a terceira vez que aquele casal vivia a emoção do casamento ou lembrança dele, mesmo que jamais houvessem se separado.
E quando questionada sobre o casamento ser duradouro no auge de seus 27 anos, Quitéria diz: “Nos amamos, respeitamos nossas diferenças, construímos tudo que almejamos juntos. Então, é para ser pra toda vida”.

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