sábado, 24 de março de 2012

O fim da Epidemia está próximo. E do preconceito?

Por Amanda Lima



Cartaz informativo na sala de recepção do Centro de Referência em DST/Aids de Juazeiro

Eram oito horas da manhã de uma segunda-feira, assim marcavam os relógios. Cada um olhava incansavelmente no pulso numa demonstração de tensão. Certamente, o típico assessório de parede presente nas salas de recepção de qualquer consultório ganhava importância diferenciada, pois era a desculpa perfeita para distrair a ansiedade. Enquanto uma funcionária de serviços gerais fazia a limpeza da sala, pessoas de todas as idades, sexos e crenças começavam a movimentar o ambiente. Ao passo que cada uma delas chegava, a agitação parecia ganhar mais força. Entrar e sair da sala de recepção do Centro de Referência em DST/AIDS em Juazeiro, assim como o olhar atento ao relógio, era a fuga perfeita para do silêncio e os olhares constrangidos das pessoas presentes no local.

Eis que algumas pessoas saem da sala de recepção, desta vez juntas, sem desculpa, para assistir a uma palestra que os profissionais chamam de aconselhamento coletivo. Na volta, assinaturas de presença e mais olhares tímidos, até que todos são convocados a enfeitar o ambiente com balões e tecidos para receber uma surpresa. A partir daí, o silêncio constrangedor deu lugar a olhares de alívio e satisfação. Começava, então, uma peça de teatro educativa de prevenção ao vírus HIV, organizada pelo Núcleo de Educação e Comunicação em Saúde (Necom), que desenvolve trabalhos de educação popular com diversas comunidades. A música, a dança e as piadas lembravam que o dia de Prevenção e Combate à Aids, comemorado todo Primeiro de Dezembro, não podia passar em branco.

Durante a apresentação, entre os tímidos sorrisos, um se destacava. Era um sorriso seguro, sem receio, que demonstrava uma alegria daquelas que cativam. Tratava-se de R.L.M., uma aposentada, de 47 anos, que não chamava atenção apenas pelo sorriso, mas pela coragem, segurança e serenidade com que fala da sua relação com a Aids. Tudo começou quando ela passou a perder peso e a sentir a presença de dois caroços em seu corpo. Depois de se consultar com três médicos, que tentavam esclarecer o aparecimento dos incômodos, veio a constatação: a paciente é soropositiva em estágio avançado. O vírus HIV já se manifestou, e ela é soropositiva. Como R.L.M. não sabia que estava infectada pela doença e não se tratou, algumas doenças, chamadas oportunistas, se aproveitaram da baixa imunidade e se disseminam no seu corpo.

Segundo a paciente, os dias após a descoberta foram carregados de tristeza, depressão e incertezas. O choro cotidiano revelava o medo, pois a descoberta foi feita há dez anos, quando ainda havia um estigma de que a doença significava a proximidade da morte. Porém, para os médicos, R.L.M. tem a doença há cerca de 18 anos, visto que a Aids pode demorar até dez anos para demonstrar sinais.A paciente, que preferiu não revelar a forma de contágio, considera que hoje tem uma vida normal e só não trabalha porque o diagnóstico tardio da doença lhe ocasionou algumas dificuldades de locomoção e coordenação motora. Ela afirma que nunca deixou de se cuidar e segue com rigor o tratamento, com a ingestão de comprimidos a cada 13 horas.

O médico infectologista da equipe multidisciplinar do Centro de Referência DST/AIDS, Juvenilson Andrade considera que os casos de diagnóstico tardio, são os que ainda geram morte por Aids. Em Juazeiro, foram registrados 49 novos casos da doença, no ano passado. Já em 2012, oito mortes já aconteceram como consequência dela. Isto ainda acontece pela falta do uso dos remédios adequados,o que deixa o paciente vulnerável ao ataque de doenças oportunistas e em alguns casos, o quadro é irreversível. O infectologista acredita ainda que esta é a maior causa de avanço no contágio.“O preocupante é que tem sido feito muito diagnóstico em paciente já em estado grave. Existe muito paciente portador do vírus sem diagnóstico. Esse é o grande problema de hoje, pois o principal modo de evitar a disseminação da doença é descobrir pacientes portadores e os conscientizar a ter um modo de vida que evite transmitir a doença pra outras pessoas”, conta.



Juvenilson Andrade, médico infectologista do Centro de Referência
Apresentação teatral do Necom para os pacientes do Centro de Referência

Atualmente, o diagnóstico pode ser feito através do teste rápido que revela o resultado do exame de HIV em quinze minutos. Ele representa uma revolução para evitar o diagnóstico tardio. Os avanços também aconteceram no tratamento e na prevenção. Enquanto nos anos 1980, década de descoberta da doença, o paciente tomava cerca de oito comprimidos do medicamento AZT, hoje o número reduziu para cerca de três comprimidos diários e, por isso, os médicos já dispensam o uso do termo coquetel. Quanto à prevenção, a melhor forma ainda é o uso da camisinha, visto que a maior forma de contágio é através da relação sexual sem preservativo.

Assim, os principais problemas da Aids não podem ser relacionados ao tratamento, prevenção e diagnóstico, já que estão mais acessíveis e tecnologicamente mais bem constituídos. Com esta perspectiva, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, no fim do mês de novembro, um relatório que traça a expectativa de cinco anos até o fim da epidemia da doença em todo mundo. Entretanto, em Juazeiro os números não acompanham esta estimativa. Enquanto em 2010, o número de novos casos foi de 47, entre janeiro e novembro de 2011, foram registrados 49 novos casos.

Para a Enfermeira do Centro de Referência, Magna Cavalcanti, o problema da doença na cidade está no controle do tratamento. “O pior problema que eu vejo na Aids aqui é a adesão ao tratamento”, explica. Para ela, os fatores que interferem diretamente nesta resistência estão ligados à condição socioeconômica, escolaridade e medo do preconceito, muitas vezes construídos pelos próprios portadores da doença.

Após 30 anos da descoberta da Aids em todo o mundo, a doença já é considerada crônica, por possuir tratamento contínuo, como hipertensão e diabetes. Mesmo assim, R.L.M. também considera que o maior inimigo de quem convive com a doença é o preconceito. Para exemplificar, a aposentada conta, com pesar, uma situação vivenciada por ela. Certa vez quando passava na rua, foi surpreendida pelo comentário feito por um rapaz que a apontava para um colega e dizia: “Tá vendo esta mulher? Ela tem Aids”. Ofendida, ela resolveu responder. “O que ele o vírus me tirou, eu estou lutando para conseguir voltar ao normal, e é isso aqui (mostrando o braço e a perna, que possuem movimentos limitados). No meu ouvido a doença não mexeu. Então, por que você não vai fazer o exame ao invés de criticar quem passa por isso?”, questionou.
R.L.M. alega ainda que não esconde de ninguém, pois acredita que o reconhecimento da doença é o melhor caminho para que a sociedade encare o problema com mais clareza. “Eu queria que os portadores da doença aparecessem mais, porque eles têm muito medo do preconceito que às vezes vem deles mesmos. Eu meti as caras e conto pra todo mundo porque gostaria de ajudar outras pessoas”, enfatiza.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vai passar a vez? Essa é a sua jogada.